Um dos últimos veículos recuperados por meio de rastreamento automotivo no Estado protagonizou um contrassenso. O caminhão a serviço da segurança pública, estacionado em um restaurante às margens da BR-101, no km 80, foi furtado enquanto o motorista Luiz Carlos dos Santos Castro, 47 anos, jantava. Seis toneladas de grades de ferro tinham o presídio de Charqueadas como destino.
O bandido fugiu em direção à freeway e trafegou por 72,7 quilômetros. Cruzou o pedágio de Santo Antônio da Patrulha impune, a 99 km/h — nove acima do permitido. Foi um módulo de rastreamento veicular, pesando 109 gramas, o empecilho para que sumissem com a carga de vez.
Depois que o motorista deu pela falta do caminhão, ligou para o patrão José Mario Costa Rosa, em Curitiba. Ele informou o acontecido à Empresa de Rastreamento Veicular, responsável pelo monitoramento da frota da empresa. Enquanto isso, Castro acionou a polícia.
Equipamentos de rastreamento se popularizaram no Brasil em 2008 e representam um mercado que cresce 20% ao ano, conquistando também donos de carros particulares. Rosa diz que hoje é indispensável para frotas e que se fosse contar apenas com a ação da polícia, não teria retorno tão rápido.
— Deu vontade de não pedir o bloqueio, avisar a polícia e acompanhar o trajeto dos bandidos para que fossem pegos, mas desisti. Não teria tempo, paciência, nem garantias de que a captura seria ágil — destaca.
O investimento em tecnologia tornou o esquema de ataque a este tipo de crime, em tese, simples. No caso do motorista paranaense, foram menos de 10 minutos da constatação do furto até a interceptação do veículo. Antes das 20h, o Ford Cargo branco estava estacionado no km 64 da BR-290, em Gravataí. O sistema da Volpato marcou que até as 20h19min, ainda se tentou dar partida, sem sucesso.
A agilidade em informar a central de monitoramento e a rapidez na prestação do serviço são as premissas mais pregadas pelo Centro de Experimentação em Segurança Viária (CESVI), um dos órgãos responsáveis por aplicar normas de adequação às prestadoras de serviço. Recomenda-se que o carro seja recuperado em, no máximo, uma hora — tempo considerado razoável para que o bandido não consiga levar o veículo para desmanche ou para que cruze alguma fronteira.
Assim, hoje há êxito na recuperação em mais de 80% dos carros rastreados, garante o presidente da Associação das Empresas Brasileiras de Gerenciamento de Riscos e de Tecnologia de Rastreamento e Monitoramento (Gristec), Cyro Buonavoglia.
Para Vivian do Nascimento, titular da Delegacia de Repressão ao Roubo de Veículos do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), o rastreamento veicular é um bom mecanismo de segurança para a população e ajuda o trabalho da polícia
Apesar de elogiar a evolução do setor, o presidente do Sindicato das Seguradoras do Rio Grande no Sul (Sindseg), Julio Cesar Rosa, diz que a solução para a segurança pública não é rastrear todos os veículos — alternativa que encarece o carro. Para ele, investir em prevenção é fundamental:
— O rastreador é uma ótima ferramenta, mas é emergencial. O certo seria colocar mais policiais nas ruas, desarticular quadrilhas especializadas e investir em educação.
CRONOLOGIA
Furto e retomada na quarta-feira
18:50 — Luiz estaciona em um restaurante no km 80 da BR-101, em Osório.
19:08 — O caminhão é furtado.
19:26 — Passa pelo pedágio de Santo Antônio da Patrulha a 99 km/h.
19:50 — É quando Luiz acaba de jantar, nota a falta do veículo e liga para o patrão. De Curitiba, o chefe avisa a central de monitoramento e segurança.
19:56 — A atendente envia o comando de bloqueio para o caminhão, que está a 95 km/h.
19:57 — O veículo para por completo, no km 64 da freeway, em Gravataí.
20:19 — Última tentativa do suspeito de ligar o carro.
20:30 — Chegada da equipe da Concepa, concessionária que administra a rodovia. O suspeito já havia fugido.
Popularização aconteceu nos últimos anos
Mais acessível ao bolso e com melhorias nos sistemas de transmissão de dados, os rastreadores veiculares caíram no gosto popular há cerca de quatro anos. Se há mais de duas décadas, quando tudo funcionava via satélite, o valor da mensalidade ultrapassava R$ 3 mil, agora é possível manter o serviço com R$ 50. E a localização, que era atualizada no computador de hora em hora, agora muda a cada três minutos.
Conforme o presidente da Gristec, Cyro Buonavoglia, a estimativa é de que haja no Brasil cerca de 1,3 milhão de caminhões e 450 mil carros de passeio equipados, o que representa menos de 3% da frota do país.
O sistema também caiu no gosto das seguradoras. Boa parte obriga que carros acima de R$ 70 mil tenham um rastreador. Além desses e das transportadoras, o público-alvo também é formado por aqueles veículos antigos, cujo valor do seguro é tão elevado que o serviço não compensa, como Golf e Audi.
Além de prestar um serviço à segurança pública, impedindo crimes contra o patrimônio, o pacote também inclui acesso online ao percurso do carro 24 horas, com senha e login na mão, de qualquer computador.
— Pode ser visto como uma forma de censura na medida em que o usuário consegue vigiar os passos do outro durante a jornada de trabalho. Querem tomar o lugar do público, que pode trazer consequências para a sociedade. É a disseminação de sempre monitorar tudo e mais um pouco — opina a socióloga especialista em segurança, Melissa de Mattos Pimenta, integrante do grupo de violência e cidadania da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Para ela, a vantagem da tecnologia está em garantir a visão do todo. Na medida em que produz estatísticas, pode ajudar a mapear os locais onde os crimes ocorrem com mais frequência e apontar locais mais carentes de atenção.
EVOLUÇÃO EM TECNOLOGIA
1990 — Começa o rastreamento no Brasil com sistema via satélite, o que encarecia o produto. Apenas empresas que tinham muito a perder o utilizavam.
2000 — Investimentos em substituição de tecnologia, passando do satélite para os primórdios da telefonia celular, em sistema TDMA ou analógico. Com baixa cobertura e altos custos, a adoção do sistema era pequena.
2004 — Melhora na tecnologia celular para CDMA e GSM, como é usado até hoje. Conseguiu-se reduzir os custos do equipamento de rastreamento e a cobertura de telefonia nas estradas brasileiras se aprimorou. O mercado começou a ser aquecido.
2008 — A maior eficiência das transmissões de sinais de telefonia celular e a ampla cobertura culminou em um recorde de vendas do setor, atingindo também veículos particulares.
2011 — Passada a crise do mercado automotivo de 2009, há uma recuperação do setor. Empresas oferecem ao cliente o monitoramento de seu veículo pelo celular.
2012 — Novo serviço de rastreamento de carga , com rastreadores dentro das caixas, aumentando a chance de recuperação da mercadoria.
Fonte: Zero Hora